Naquela sexta-feira pré-Carnaval eu estava animado me programando de como seria os próximos dias descanso. Pensava em filmes, leitura e boas comidas. Não gosto de Carnaval, mas a ideia de ter dias livres, sem trabalho, era contagiante. Anos anteriores me programara do mesmo jeito, mas outras atenções derrubaram o que eu gostaria de fazer.

Voltando: eu estava me ajeitando para seguir para uma gravação naquela tarde. Me encaminhava para a parada de ônibus com o celular na mão respondendo ao meus colegas que me esperavam em alguns minutos na Livraria Leitura do Shopping Rio Poty. Emanuel teria uma breve participação ao final quando ele me disse que não tinha nenhuma pergunta feita.

Eu estava atravessando avenida quando desliguei a luz do celular e coloquei no bolso. Demorei-me um pouco pra tirar novamente o celular. Em circunstâncias parecidas, outras pessoas muito provavelmente não fariam o que estava prestes a fazer: retirei o celular e estava pronto para digitar uma resposta. "Coloque no story do seu Instagram uma caixa de sugestões pedindo perguntas".

Em seguida, eu olhei para a avenida. Na contramão, duas pessoas avançavam de bicicleta. Voltei ao celular e tive como resposta um riso. Voltei a observar os dois homens que voltavam em sua bicicleta. Um deles mais atrás, mais velho, altura média e cabelos levemente claro e na frente, já mais perto de mim com a bicicleta impedindo de sair de onde eu estava, pedia o meu celular. Entreguei. Acabara de ser assaltado mais uma vez. 

Passou pela minha cabeça a outra vez que fui assaltado, exatamente do outro lado daquela avenida. Uma parada de ônibus descaracterizada. Desesperado e acuado com uma ameaça com faca entreguei o celular. Diferentemente daquela vez, eu estava bem e consciente.

Desengonçado, o homem alto, forte e negro tentava se levantar de sua bicicleta. Eu silenciosamente e pensava. "Como pode? Deve ser o primeiro assalto dele. Inexperiente!". 

Não sou daqueles que aderem a perspectiva de que não devemos facilitar o assalto. Acredito que se tenho um bem preciso fazer uso dele mesmo em via pública, o Estado deve me garantir a segurança. Não sou medroso de ficar acuado por causa de pessoas mal-intencionadas.

Após saírem eu voltava a pensar no que fazer. Em meia-hora deveria estar na livraria para a gravação. Dava tempo de prestar um Boletim de Ocorrência e voltar para o Shopping. Assim fiz. Corri pra casa, a poucos metros do ponto de ônibus. Pedi ajuda pra ir pra uma delegacia e fui.

Ao chegar lá, o delegado baixinho e velho. Já teclava registrando um caso de uma senhora que pedia para que matassem todos os bandidos. Ela também fora assaltada, teve bens levados. Ela, de aparência humilde, compartilhava da opinião que bandido bom é bandido morto. Um dia também tive esse pensamento antes de entrar na universidade e aprender um bocado de coisa que me tirasse da ignorância e me atentasse a diversos fatores.

A senhora estava calma também e consciente do que falava, mas entendia os motivos do porquê ela queria ver os bandidos mortos. Só respondi a ela quando disse que não levava celular a nenhum lugar. Meu coração gelara e eu respondi. "Acho que se eu não tivesse celular nas vezes que fui assaltado, teria sido minha vida. Celular eu recupero depois". E o silêncio ficou naquele ambiente até ela se retirar.

Depois foi minha vez. Descrevi o que ocorrera e ofereci todas as minha informações. O delegado tinha muita má vontade. Conclui isso depois que entrara um casal pra pedir informações e ele sibilou algo de que não sairia dali mais nunca. No meu íntimo me indignei, mas depois compreendi que naquela altura da tarde ele não tinha almoçado.

Ao fim, fui direto pra gravação que ocorrera com certo atraso, mas deu tudo certo. Pedi um uber para um amigo e fui embora. 

O que seria daquele longo feriado?, pensei. Retirei da minha prateleira os dois primeiros livros da sequencia de Harry Potter e comecei a ler. Já estava querendo ler fazia algum tempo, mas o tempo que usava no celular roubava minha atenção. Foram bons dias lendo, vendo alguns filmes e dormindo. Um feriado digno do que eu imaginava. Ainda tive tempo de rabiscar alguns versos. Senti que aquele Carnaval fora muito produtivo, como queria há tempos.